Os etólogos caracterizam-se por uma posição metodológica que gira em torno das quatro questões de Tinbergen. Este, em 1963, propôs que em primeiro lugar deve-se observar e descrever o comportamento; posteriormente, uma análise completa do comportamento deve ser feita com bases nas análises causal, ontogenética, filogenética e funcional. A análise causal é feita através do estabelecimento de uma relação entre um determinado comportamento com uma condição antecedente, sendo estudados os estímulos externos responsáveis pelo comportamento e os mecanismos motivacionais internos. A análise ontogenética envolve uma relação do comportamento com o tempo, estando o interesse voltado para o processo de diferenciação e de integração dos padrões comportamentais no curso do desenvolvimento de um indivíduo jovem. A análise filogenética, por sua vez, estuda a história do comportamento no curso da evolução da espécie. Por último, a análise funcional estabelece uma relação entre um determinado comportamento e mudanças que ocorrem no ambiente circundante ou dentro do próprio indivíduo. Pensa-se em que vantagens seletivas um dado comportamento confere a um animal, como pode afetar as chances de sobrevivência e reprodução de um animal, fornecendo assim material para a seleção natural. A peculiaridade da metodologia etológica é a preocupação com questões de função, adaptação e filogênese, que mesmo quando não são o foco principal de estudo se refletem na maneira como é conduzida a análise de questões causais ou ontogenéticas.
ETOLOGIA
OS CANÍDEOS - GRUPOS E MATILHA - ORGANIZAÇÃO HIERÁRQUICA
Os Canídeos
Supõe-se que o primeiro parente dos canídeos apareceu no Plioceno há cerca de 10 milhões de anos, mas o atual cão (canis familiaris) tem apenas 16 mil anos de idade.
Há muitas teorias avançadas por prestigiados investigadores que defendem que o cão actual descende do Chacal, Lobo ou Coiote. No seu livro “Quando o Homem encontrou o Cão” Konrad Lorenz marca uma clara diferença entre as raças que descendem do Lobo (Pastor Alemão, Dobermann ou Boiadeiros) e das que descendem do Chacal Dourado (Collie, Dalmata, Caniche ou Labrador).
Atualmente a maior parte dos investigadores estão em sintonia com o fato de que todas as raças de Cães descendem do Lobo (Canis Lupus), pois as duas espécies são idênticas e a sequência de DNA mitocondrial de ambas são iguais em 99,8%, enquanto que a comparação entre a do Lobo e do Coiote (Canis Latrans) coincidem somente em 96%.
Nos estudos que existem sobre este tema encontra-se uma multiplicidade de especulações, mais ou menos científicas, mas em Etologia tomaremos sempre os padrões do Lobo como ponto de referência, para podermos compreender os comportamentos de uma espécie que foi domesticada pelo Homem no inicio da sua civilização. Apesar disso, por outro lado temos um grave problema em mãos: é que os padrões de conduta deste animal não podem ser enfocados através de um ponto de vista puramente etológico. O seu contacto diário com o Homem, a sua enorme capacidade de adaptação a um meio artificial, a sua falta de liberdade na Seleção Sexual e uma série de condicionantes mais, impossibilitam a publicação de estudos experimentais sobre esta espécie. Para podermos compreender o seu comportamento precisamos de nos apoiar na Etologia Aplicada, neste caso na canina, já que, apesar de todos os seus problemas, é uma espécie que, ainda que doméstica, apresenta um grande número de comportamentos que apresentaria em liberdade.
Grupos e Matilha
Define-se matilha como sendo um grupo estável e duradouro que se mantém, salvo em muito raras exceções, no mesmo território. Portanto, a matilha obtém a sua variedade genética (o oposto da endogamia) baseando-se na expulsão dos machos jovens, mantendo-se no território fêmeas com laços de parentesco e muito poucos machos.
Atualmente só existem em liberdade as seguintes espécies:
- Canis Lupos (Lobo)
- Canis Latrans (Coiote)
- Canis Aureus (Chacal)
- Canis Hienae (Hiena)
- Dingo Australiano ou Lobo Amarelo
Como o Cão doméstico evoluiu do Canis Lupus o efeito da sua domesticação potenciou a sua variedade racial (assunto que iremos abordar em próximos artigos), o homem foi selecionando e aperfeiçoando as raças em função das suas próprias necessidades. Apesar de existirem atualmente centenas de raças caninas o seu código genético é exatamente o mesmo quer sejam pinchers miniaturas ou Grand Danois.
Os Cães Selvagens tendem ao sistema de emparelhamento monogâmico, mas o cão doméstico, devido Seleção artificial imposta pelo homem (nós é que escolhemos e impomos o/a parceiro/a), prevalece o sistema de poliginia. Assim, e neste caso, os cuidados parentais são outorgados na sua totalidade pela fêmea, dado que os progenitores nunca têm a certeza da paternidade das ninhadas, pois enquanto que nos cães selvagens ou nos lobos, devido à sua organização social, o macho dominante, aquele que cobre todas as fêmeas, sabe que todos os jovens são filhos dele e, sendo assim, ajuda no desenvolvimento da ninhada, principalmente na protecção da mesma e na procura de alimento para a progenitora, no macho doméstico o facto de não investir na partilha da árdua tarefa de criar uma ninhada tem a ver com o desconhecimento por parte deste da paternidade da mesma.
A cadela, devido à domesticação, à abundância de alimento e não precisar de o procurar, à segurança transmitida pelo domesticador e à constância climática, apresenta dois ou três ciclos estrais por ano, contra um único da fêmea de Lobo (na Primavera), que tem contra ela os imponderáveis de ter que depender de si própria em todas as circunstâncias.
Organização hierárquica nos Cães Selvagens
O conceito de hierarquia implica uma relação em “pirâmide” entre os membros de uma matilha. Os cães formam grupos estáveis e duradouros à semelhança do que acontece nas alcateias de Lobos. A autoridade absoluta é ostentada por um macho que normalmente é o que mais lutas tem travado e melhores resultados tem obtido. Secunda-o uma fêmea, subordinada ao macho mas que ocupa o segundo grau na hierarquia e que, no caso dos Lobos, só pode ser coberta pelo dominante. Depois destes dois “patriarcas” a pirâmide hierárquica completa-se com os machos e fêmeas subordinadas que, passado algum tempo, se convertem por sua vez, em dominantes quer pela disputa e vitória sobre o chefe, quer pela morte deste.
Nas últimas investigações levadas a cabo sobre uma alcateia de Lobos Canadenses, observou-se que era uma fêmea que liderava o grupo. Neste caso concreto o dimorfismo sexual está a favor dessa fêmea como em todos os casos de fêmeas dominantes entre as hienas. Apesar disso, o normal é que a autoridade absoluta seja exercida pelo macho dominante.
Em Psicologia Experimental chama-se Alfa ao indivíduo dominante e Beta ao subordinado. O conceito de dominância implica uma relação assimétrica, entre dois indivíduos, que se manifesta em dois níveis de interação. O Alfa, para se impor, produz a maior parte das comunicações agonísticas e agressões que se manifesta entre os dois. Também quando se disputa uma fonte de recurso é o Alfa que invariavelmente a consegue obter. Uma vez estabelecidas as posições hierárquicas, a agressividade deixa de estar presente em quase todos os seus atos sociais. O stress é mais frequente nos indivíduos de menor nível social submetidos quase sempre, a uma contínua “luta” por uma valorização do seu posto na hierarquia. Pelo contrário nos dominantes, o nível de stress crônico diminui como consequência da falta de agressões que sofrem por parte dos subordinados.
Para manter estas relações sem necessidade de enfrentamentos diretos e constantes, o cão desenvolveu uma linguagem corporal que estabelece claramente, “quem manda”, nas interações quotidianas. O Beta demonstrará submissão quando se encontra em perigo de agressão cabendo ao Alfa a tarefa de tranqüilizar o resto da matilha com a sua presença altiva e tranquila.
O cão, à semelhança do Lobo, tem uns mecanismos de inibição do ato final de dominância, quer dizer, quase nunca uma luta por posto ou status termina com a morte do vencido. Este desenvolveu toda uma comunicação de submissão que impede o vencedor de chegar à eliminação do contendor.
A dominância que exerce a fêmea Alfa sobre as demais, chega ao ponto de atuar com as suas feromonas para impedir o cio das fêmeas subordinadas otimizando desta forma o seu êxito reprodutor.
A hierarquia é tão forte entre eles que, inclusivamente para caçar, é o dominante que estabelece as tácticas venatórias da matilha.
Esta forma de atuação dos cães em liberdade mantém-se nos domésticos de tal forma que, ao fazer-se a experiência de se libertar vários exemplares, passado muito pouco tempo, converteram-se no que eram há 16.000 anos atrás.
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